quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Confissão De Um Crime

A primeira vez em que não ganhei um prémio de poesia
Foi no meu 6ºano, por altura do São Valentim, fiquei em segundo,
Perdi para o meu melhor amigo, as juízas foram as professoras de EVT,
Uma hippie e uma filha de militar de alta patente, a razão foi
Não ter feito referência a Camões na minha composição poética,
Na verdade foi para dar exemplo, já que eu era um criminoso,
Eu e o resto dos rapazes da turma tínhamos um processo disciplinar,
Todos, menos o vencedor do prémio, que depois da escola
Era levado directamente para casa, consta-se que espancamos violentamente
Uma colega em frente a um café depois da aulas,
Vingança por o seu mau comportamento na aula de português
Ter levado a que uma ficha de preparação se tornasse num teste de avaliação,
Muitas colegas choraram, não tinham estudado, não estavam preparadas,
Lá se fez e correu bem, na verdade eu fui um ladrão que ficou à porta,
Porque tive pena dela, também foi esse o argumento que me ditou a sentença,
O ditado popular, no julgamento, disse que lhe tinha dado um croquete,
Como fazia o professor de português do 5ºano, isto para não ficar fora,
O que fiz foi pousar-lhe a palma da mão na cabeça e ao sentir aquele cabelo
Quente senti uma grande amargura, por todos, pousei a mão como quem
Absolvendo se condena, e fomos condenados a trabalhos forçados,
Abrir buracos para o dia da árvore antes de almoçar, eu tive que abrir dois
Porque o primeiro chegou ao cabo eléctrico de um candeeiro,
No segundo que tive que abrir, todos os criminosos como eu, me ajudaram
E lá fomos comer, cheios de terra, fui destituído da função de chefe de turma,
Fiquei em segundo no prémio de poesia, acabaram por me dar cinco a EVT
E quatro a português, porque fui um ladrão que ficou à porta
E acabou por levar com uma sentença antes dos dez,
Deve ser por isto que até hoje nunca ganhei um prémio de poesia.

Turku

02.01.2017

João Bosco da Silva
Primeira Morte

Morreu com aquele verão dos seus dezasseis anos, a sua primeira morte,
O ano em que as torres dos filmes caíram de verdade e só anos depois
Voltaram a aparecer, o ano em que, depois de um poema sobre a queda
Por aquelas mãos que se queriam à volta da gaita, deu-se conta que era poeta,
Mesmo que aquelas mãos continuem a esgaçar homens mais práticos de números,
Até deus deixou de se engolir ainda com calos da cruz das procissões
E o riso contido do dente da velha a bater na patena, engolindo a hóstia
Com fome de tudo e sonhos apagados, morreu antes dos amigos
Terem provado o que ele provou no quarto escuro do avô,
O primeiro avô morto, a cona de uma miúda de treze anos
E a sua língua pelo tesão quase imberbe acima e abaixo,
Os seus primeiros pelos loiros do mento brilharam ao luar,
Uma alegria que não se voltará a recuperar por mais conas que prove
E naquela noite testou a resistência da pele do prepúcio
Até adormecer com o ressonar dos pais ao lado,
Agora dorme descansado ao lado do esquecimento,
Aquela primeira morte que foi arrefecendo nos bancos de jardim geados
E recebia, morto já, de braços abertos, vazios, autocarros
Vindos da capital até às mãos nos bolsos atrás da junta,
Com uma fome com a morte ali à mão e a outra em casa com a promessa
De que nunca aquele vestido azul no chão de um mesmo quarto,
E os poemas continuaram como as faúlhas de uma cremação demorada ao ar livre
Numa noite de inverno e não têm sido muito mais que isso, um desagrado à ausência.

Turku

02.01.2017


João Bosco da Silva