quarta-feira, 19 de junho de 2013

Deus De Uma Eternidade Pequena

Acordo em África, tudo tão familiar como sempre, as minhas mãos do tamanho que têm tido,
O cheiro diferente de um novo dia, a terra húmida dizem-me os pássaros e daqueles ventos
Que não tocam, tímidos, como um adolescente a caminhar sobre um pântano de uma
Tira-virgos profissional, que mal sabem por que drogas se hão-de meter, aqui fome
E uma estranha exigência de mais vida, quando lado a lado tanta vida a tentar matar-se,
Corro o fecho da tenda, descubro os membros quentes e o Sol parece tardar hoje,
Há cinza, corre pela água, alguém está a ser cremado na Índia, mais em baixo as mulheres
Lavam as cores da roupa, chega de insultos ao luto católico, o abandono dos cemitérios nas
Aldeias pequenas, extinguem-se os fogos-fátuos, já ninguém quer dormir em cemitérios rurais,
Escolhem morrer em Paris em banheiras e os leões a deixarem material para recordações
Ao lado da bosta dos búfalos, dói não ser beijado na pedra depois de morto, ou a ideia
Em vida disto tudo, acordo, mas parece-me que ainda sinto no hálito o gosto daquela
Promessa que ficou antes de se vir, e a sede, não me lembro de ter bebido mais de cinco
Tuskers ontem à noite, devo ter armado mal a rede e os mosquitos chuparam-me todo pelos
Dedos, não me apetece foder, apesar do tesão, daí estar nisto, escrevo os excessos do meu
Metabolismo, os meus olhos foram habituados a hipocrisias de catecismo e beatas apagadas
Em saias e mais saias e menos dentes para serem os mosquitos abençoados dos padres,
A frontalidade de África é olhar directamente o Sol ao meio-dia e a terra é vermelha,
Sem pretender esconder o sangue que a alimentou ao logo dos milénios, não como aqui onde
Durmo e finjo uma cegueira de burro de nora, seca, para lado nenhum, a água e os sonhos,
Furta-se a vida à vida e só se vive de morte, as ilusões estão mais vivas que os insultos da
Verdade, os búfalos mugem, mas se abrir realmente os olhos, sei que estou é rodeado de vacas.

Torre de Dona Chama

19.06.2013


João Bosco da Silva

Desconsolhos

Não peças mais do que isto, um alçapão para o infinito, um padre crente e um deus bêbado,
Tudo o resto é consentimento de cornos, desconfia dos vinte cêntimos que encontras no
Passeio e da legitimidade de uma saudação, ignora o sorriso dos desconhecidos no bar, são
Todos fugitivos de um manicómio para doenças psiquiátricas do futuro, não peças mais nada,
Já tens granizo de chumbo para tempestades e um sofá abandonado no meio daquele
Descampado para os lados onde ninguém te encontrará a asfixiares no teu próprio vómito,
Não esperes boa vontade, ou favores sem favores, tudo, mais cedo ou mais tarde, irá cair-te
No cu e será pago com humilhação e louvores, esquece a devoção, deus trai mais do que uma
Puta de aldeia no dia da festa no palheiro do patrão do pai, não arranques cabelos, tudo o que
Tens são os primeiros segundos para te fazeres valer, às vezes duram pouco, não sacudas a
Areia da ampulheta, não sejas tão exigente, chama-lhe gatinhar se preferires, mas evita pôr-te
De pé, ninguém diz que não a uma boa mamada ou a uma língua transmutadora de todos os
Valores, que no fim de contas não valem nada, empunha a garrafa como uma espada, poderá
Não te salvar, mas ao menos fecha-te os olhos e abre-te um abismo ao lado, e a garganta,
Agora vai e não percas a chave, destas só encontrarás em cemitérios ao lado de velas extintas.

Torre de Dona Chama

12.06.2013


João Bosco da Silva

Carta A Um Maldito Na Eternidade

“No, It´s not fair, but one man´s god is another man´s devil”
Chuck Palahniuk

Escrevo-te do galinheiro, ou se preferires, do inferno, só tenho Sol e uma cerveja como companhia
E ele já se põe, nas minhas costas, só o cansaço e o pó de todos os anos, desde os mais primitivos
Até esta actualidade onde me desfaço num ritmo sinusal, só para ficar bonito e facilitar interpretações,
Sabes que aparento pele de cidade quando estou calado, mas quando começo a abrir entradas e saídas,
Tirando os olhos, que esses são de outros infernos, revelo-me um verdadeiro javali alimentado com
Raízes de urze, granito e a carne da fome e por isto peço-te desculpa, também há rosas e as hóstias
Parecem sair nos pacotes de batatas fritas, por isso também aí falho e nada do que li me tornou mais,
Tudo me encolheu a um canto da minha alma vazia, que também não me pertence, vou pagando
A renda como posso, com fodas e outras limpezas cá na terra, juro-te que está tudo bem, às vezes
Há ovos, mas só para matar a fome imediata da manhã, o dia, vai-se durando encostado às sombras,
Até elas têm fugido, sabes, ao menos a mão já não me dói e a pele tornou-se um contraste da infância,
Também tu querias escurecer na eternidade, tornaste-te deus maldito e deixaste-te ser levado pela
Areia e outras amputações por correspondência, talvez a minha irmã me salve como a tua em chamas,
Enquanto lhe lias aquilo que escrevias e que queria dizer tudo o que estava lá escrito, espero que
Não te doa o vazio e tenho pena que o corpo te tenha abandonado, aqui há outros desertos, à noite
Lembram-me a tua cidade cinzenta que prateada quando chove, despeço-me com todo o mar
Que desejares e mais olhos para ver além do além, ó anjo maldito de asas de papel.

Torre de Dona Chama

12.06.2013


João Bosco da Silva