segunda-feira, 27 de maio de 2013


Carne Em Promoção

Compra-me, diz um carro, o mesmo dizem uns saltos, toc toc, só em hotéis de luxo, bonecas
De porcelana recheadas com leite azedo e mutante, tudo cheira a interesse e cegueira, usados
Como novos, onde se terá que entregar a decência da indecência sincera, tudo trancado em
Aparências hipócritas, custa sorrir com os dentes todos sem um aparelho a medir caninos e
Aligeirar ângulos, número de contribuinte quer, com o hálito ainda a escorrer algarismos do
Cliente regular, é que não tenho necessidades, tenho exigências, criei classe na miséria,
Entretanto cresceram-me as carnes e posso alimentar-me de trufas e champanhe, que nem
Gosto, mas é caro, e pouco me custa submeter-me aos desejos do poder de papel, compra-me,
Uma indecência oferecer flores a monstros ilusionistas, espera a barba ao Sol por mais um
Pouco de poder para o esquecimento, a vida acordada é demasiado cara, mais vale parar, sair,
Dormir e ignorar quem caga de alto para os nossos ídolos e deuses de pobre, faz cara séria
Que as hortas à beira de estrada sempre vazias e do tamanho de mãos bem pagas com calos
E uma mesa com pouco mais de nada, compra-me e não me deixes passar perto da miséria visível,
Eu mijo-te em cima, mas pinta-me com uns sapatos novos, toc toc, veste-me com sonhos pequenos,
Sacos cheios de máscaras brilhantes, uma esperança para pôr ao peito, que outra nunca vi, bom preço, toc toc.

21.05.2013

Viseu

João Bosco da Silva

Quase Poema Sobre Poeta

Perguntam-me se conheço nome e eu respondo quem é, que não estou a ver, é um poeta de uma
Terra pequena que não assume como sua, premiado com um nome de uma escritora morta qualquer,
Isso dos prémios é uma questão de concorrer, e engulo que não participei naquele prémio, por exemplo,
É jovem, dizem-me, queixam-se que eu sou demasiado jovem, trabalha noutra coisa além de escrever,
Quem quer morrer de fome, admira-me que o tenham deixado entrar na sopa de letras, geralmente
Não aceitam omnívoros, entretanto lembro-me de um poema sobre gaivotas, areia, algo que me aborrece
Imenso, não me reconheço nos espelhos dele e com ar de ofendido, como se estivesse a ser ingrato
Ou presumido, despedem-se de mim com prontidão. Obrigado, mas sou um poeta que se alimenta
De abismos e os abismos são feitos de sombras, deixem-me habitar nas sombras e ignorar os que são alérgicos ao anonimato.


31.10.2013

Turku

João Bosco da Silva