quinta-feira, 23 de maio de 2013


Trepanação De Jerónimo Bosch

para Richard Marx

Um cavalo branco pasta num lameiro enquanto uma cidade adormecida arde sob uma Lua incerta,
Os porcos ressonam nas suas mansões de água e o povo grita com a boca cheia de cinzas e sede,
Arrotam os pançudos satisfeitos das conas vendidas das pobres que se querem habituar a luxos
Com os quais não cresceram, renascem, anéis em dedos ridículos a cada vez que a gaita lamacenta
Dos pançudos suínos lhe escorre da cona santa para quem é cego suficiente para as amar, o cavalo
Pasta e tudo ignora, a erva é fresca e verde, a cinza nem se sente a cair sobre o branco, as chamas
Só se alastram nas paredes sujas que encerram toda a merda humana no seu esplendor aflito para
Evitar um fim que é a única salvação, impossível, porque a água está cara para quem ainda quer
Conservar o que ainda não tem preço, mas vende-se, a honra, abençoa-me lâmina num hara kiri
Desmedido, abre-me todo o nojo para fora, uma boca suficientemente larga para vomitar toda a merda,
Tripas e tudo, ou isso, ou deixai-me pastar sossegado, que já anoitece e a noite promete ser clara.

Lisboa-Coimbra

20.05.2013

João Bosco da Silva

“Après Le Déluge”

“Depois, na grande mata violeta em botão, Eucáris disse-me que era Primavera”
Rimbaud

Ouve-se o rastejar de cobra por entre o silvado, sentado no muro, espero, uma mão nas costas,
Volto-me e é o sorriso de uma giesta em flor, então amigo, duas borboletas desaparecem
Num erotismo alado próprio das cores que lhes vestiram os genes pequenos, o sino da igreja
A dizer que foi deus que as vestiu, para sentir repugnância pelo amor plural, deve querer
O buraco do cu cheio de sacrifícios, fumos pestilentos, pão duro, órfãos e ovelhas cegas,
O Sol troça dele, inventou-se para explicar o rastejar das cobras num mundo de mãos
Que se agarram a tudo com medo à noite, o mundo consome-se em anos
E os segundos, silenciosos, roem o fervilhar das moscas à volta da sua própria merda,
A eternidade mora nos silêncios sentados, duros e de erosão lenta, onde se escreve
Do tamanho daquilo que se vê, num trono onde só os deuses reais se sentam imaginados.

23.05.2013

Torre de Dona Chama

João Bosco da Silva

O Último Em Børs

As estudantes passam com a sua admiração por vacas que já apodreceram há muito e eu,
A ficar mais loiro por dentro, escondido atrás dos óculos de sol e cara de vai-te foder, vou-te foder,
Dá cá mais cinco e eu sem dar nenhuma, és giro e obrigado, voltem sempre, fosse isso moeda
Da troca, não é Ginsberg, e tento regressar ao postal para o poeta e mais uma circunvoluções do médico
Com cheiro a guerra e ditadura, tenho um presidente que ainda mija na cama com medo a bruxas
E mesmo assim o Sol ainda me abençoa com uma luz de lés a lés, enquanto a minha pele
Ainda cheira ao sangue de quem mal consegui adiar um fim triste como todos os fins, a esplanada
Enche-se de cães e o Bukowski ignora os cagalhões no passeio onde outros cagalhões passam com uma
Bebedeira inútil, sem papel, caneta e dois dedos de inquietação, mais valia, mas realmente,
Não vale a pena, há Sol e amores que empalidecem os anos que os mataram em sofás solitários,
O amor aguenta o peso da leveza, mais que isso é arrastamento e cabelos brancos que se agarram
Aos dedos da mania, esquecem-se todos os pedaços de gente que passam sem nomes, apenas,
Que cu, grandes mamas a latejar, até mais um gole afogar tudo e envelhece-se mais numas horas
Do que o que se percebia nos anos primeiros, perde-se sempre que se ganha o que nunca é verdadeiramente
Nosso, mas mais nós, tirando-nos pedaços do original, que nunca foi, apenas menos gente, uma
Multidão suportável que nos viu mudar as fraldas e enjoar em viagens pequenas, o mundo acaba
Mais uma vez e tudo fica igual à estranheza de tudo.

Turku

16.05.2013

João Bosco da Silva

Magnólia

E sem querer, estava metido na pendente chuva de sapos, primeiro a banda sonora a entranhar-se
Nos meus dezasseis anos, não queria ser poeta, mas a falta de coragem nas mãos para a carne e na boca
Para as palavras, levaram-me a isto, escreve-me uma mensagem para lhe enviar e ainda hoje juntos,
Também eu ainda estou preso a isto, agora é mais limpeza, não tenta chegar a ninguém, apenas tenta
Sair de mim e aliviar um pouco o vazio com a ilusão de uma ausência, quando se cospem palavras em
Magnólias, deve esperar-se a explosão da Carmina Burana, estranho como me consideram uma pétala
Quando ignorava que nós flor, o que queria era apalpar o cu duro da colega e continuar inocente a ler
Nietzsche, a engolir Platão, a apaixonar-me por pequenos-almoços na América como se tivesse saudades
Do tempo em que não era nada, o tesão lá ia aliviando de olhos fechados a ver nas pálpebras aquela paixoneta
A lamber a rata daquela outra que nunca me olhou com olhos húmidos, enquanto a fodia, ou como
Imaginava que se fazia, também vais lá, e eu julgava que se referiam às torradas com leite achocolatado,
Ou porque tinha comprado um livro do Hemingway no hipermercado contra a vontade da minha mãe,
Que só considerava livros de verdade os manuais escolares, hoje pouco me interessam os anéis
De Saturno no chão em Chaves, mas ajudou-me perceber que há coisas piores que a morte e que há
Sempre uma porta aberta que fecha tudo para sempre, nunca chegaram a cair os sapos, engoli-os todos,
Depois deixei de sorrir pela luz e esmaguei a magnólia entre mais uma livro que nunca acabarei de ler,
A areia sacode-se, mas tem-se sempre vontade que anos mais tarde, se encontre alguma nos bolsos,
Como encontrar um pedaço da alma que lá ficou, onde se passou.

Turku

20.04.2013

João Bosco da Silva

Confissão Sem Pecados

Devo ter sido eu hoje, com mãos de cinco ou seis anos, uma curiosidade inocente na ponta da língua
Que não imaginava para badalar orgasmos, a abrir os grandes lábios pequenos e rechonchudos da prima
Mais ou menos pouco menos, da mesma idade, nem sei se fome, os interiores lugares que desconhecia
E os sonhos apenas ecos no escuro, com as sombras a tornar os casacos pendurados no fundo do quarto,
Homens sem pernas prontos a fazerem-me mal quando me absorvesse o divã, nem sabia que mal era o mal
Que me podiam fazer, a língua antes no lápis roído da menina filha da amiga da minha mãe, cujo pai
Morreu ou as abandonou, nem sei, a ausência a mesma nos olhos ainda inocentes, mas com vontade de lhe
Arrancar os lábios daquela carinha de olhos castanhos, a minha mãe a estranhar o meu gosto por bonecas,
Até me apanhar com uma dentro das cuecas com o cabelo loiro a escorrer de onde têm escorrido
E secado os momentos que me submetem, devo ter sido todo hoje, onde traria dentro tal perversidade,
A não ser que a perversidade toda ela em órgãos como ovários, com todo o futuro à espera da altura,
Uns poucos perdidos como na excitação que o cheiro a urina e merda e vício nas casas de banho públicas,
E o rolo de papel higiénico a ser desenrolado, rasgado na casa de banho das senhoras e eu a querer
Ter língua de papel higiénico, quando nem uma cerveja inteira aguentava, no tempo em que uma viagem
De quatro horas me parecia uma semana ao Sol dentro de uma quatro L branca, que cheiro é  este, e eu
A encolher as mãos e a pila tão menina, mijei no palheiro, e verdade, porque as hormonas não à altura
Da curiosidade inocente, ou eu hoje a fazer maldades ao garoto que me trouxe aqui, onde irei quando
Durmo, quando irei quando venço as insónias e os versos que teimam em não sujar os dedos que os engolem
Num vomitar arrependido, antes de tocarem os dentes, tornei-me passivo, castrado, por medo ao fogo do inferno
E às conas com os seus cheiros húmidos a vida, tive que perder a ilusão dos santos para poder
Voltar a ser livre como a criança que do nada inventou o cunnilingus, entre espigas de milho e palha e o bafo
Das vacas na parte da baixo do palheiro do avô, que também ainda vivo e com o cabelo mais cinzento do que o branco que o levou.

Turku

12.05.2013

João Bosco da Silva