quinta-feira, 18 de outubro de 2012


Portugal 2

Portugal, sei que o meu descontentamento não interessa, mas quem foram os filhos da puta que te tornaram
Estéril, o horizonte diz-me que tu verde mas quando se chega lá, tu árido, seco, com leite
Só para mamões, dizes que não há pão, que a fome é necessária, a fome de milhões,
E depois alimentas uns quantos porcos a caviar e diamantes, porque mandam, mandam tudo
À merda com um sorriso, urinam promessas nos olhos do povo que se arrasta na imundice
E agradece os restos com mais um mandato, porque uns mentem melhor que outros,
Porque os olhos já não vêem depois de tanta porcaria, a televisão pinta idiotas de heróis,
Os jornais cobrem as ruas de más notícias que o vento sacode da vista e tudo parece distante.
Portugal, se roubasse um pão, não me perdoarias, não perdoas a quem rouba pouco,
És míope, e se vês algo à distância, é à distância do passado, o futuro é demasiado qualificado
Para ti, preferes exportar aquilo que vale a pena, no fim serás um país de formigas famintas
A trabalhar para meia dúzia de cigarras gordas, Portugal, não sei se me apetece esquecer-te
Ou esquecer aquilo que sou, esquecer-me de que a culpa é, segundo os responsáveis, de todos,
Portanto, também minha e sinto-me culpado, teria sido por segurar na pata do animal, nas
Matanças do porco, naquelas manhãs geladas de Inverno, para ir enganando a fome,
Ou será culpa dos goles de aguardente roubados dos alambiques atrás dos muros de pedra,
Com o cheiro a mosto no ar da vila, tenho quase a certeza que foi por ter tremido nas primeiras
Aulas da manhã, com o casaco vestido, na sala sem aquecimento, sim, foi isso, tremer não
É coisa de homem, não fiz o sacrifício de não sentir frio, se calhar foi algo que herdei, o meu avô
Ter sido internado pela primeira e última vez, poderá ter sido pelas missas de Domingo, por ter
Seguido outras tradições com a fidelidade de um crente, de uma coisa estou certo Portugal, só
Pode ter sido por ter cumprido com tudo o que esperavam de mim, menos por ter sido
Um rato, é o que dizem quando se afundam navios, mas tu um porto, certo, a partir de ti descobrir
Mundo, e esquecer-te, mas não compreendes que a saudade nasce connosco e a saudade é feita
De memória, de recordações. Porque não gostas de nós? Porque não gostas de mim? Dizes que
Estás a envelhecer e não me deixas dar-te um pouco de juventude, eu que queria ter filhos
Que falassem português, que comessem uvas directamente do Sol de Setembro, que arranhassem
Os joelhos na calçada do bairro antigo e chegassem a casa com a roupa manchada com amoras,
Ou uma dor de barriga por demasiadas cerejas, queria que eles se apressassem ao ouvir a trindade,
E que no Inverno sentissem aquele calor no coração quando se cheiram os fumos das lareiras no ar,
Mas que te interessa isso, quando os teus porcos engordam cada vez mais e cobrem tudo de um
Estrume caro e inútil, fertilizando tudo com esterilidade, palavras e sonhos vazios, sonhos
Portugal, só os tenho quando durmo e às vezes tu não ardes, às vezes tu mais que Agosto,
Eu e a família que tu me negaste, com a mulher que tu me negaste, porque é difícil,
Ao fim da noite a falar de outras coisas que não o desemprego do pai, o Natal que se aproxima,
Seco de presentes, negaste-me acordar todos os dias ao lado de alguém que me diz Bom Dia
E sabe o meu nome de verdade, ofereceste a tantos outros a desconfiança, por aqueles luxos
Pequenos da mulher, quem será o porco gordo e cada vez mais se vendem, e os corações uvas passas,
Porque a vida está difícil, não sejas burra, não sejas burro, se tiver que ser, ajoelha-te e chupa,
É o que tem que ser, porque Portugal, andaste a convencer quem és, que é normal, cada vez mais puta
Tu, vendes-te até à língua, dás o cu a quem perdeu duas guerras com ele para o ar,
Já chegaste ao último furo do cinto, mas a gravata continua apertada a esconder os
Botões que te faltam na camisa, Portugal, mete-me nojo, não quem procura um alívio no caixote
Do lixo, mas quem passa em luxo, como se fosse um direito que só alguns têm, direito à fome,
E os porcos continuam a mastigar diamantes, enquanto cagam nos direitos dos que arrastam
O teu cadáver, e dizes que a responsabilidade é de todos, e é verdade que poderia ter tirado melhores
Notas, podia ter lido mais se a mesada desse para mais do que uma sande de pão e queijo por dia,
Que não comia para poder comprar aquele livro que não havia na biblioteca pública, e agora dou razão
À minha mãe, livros que não interessam, só me abriram mais os olhos e em ti, é mais fácil
Ser cego. Portugal, como podes esperar que no futuro as coisas melhorem, se continuas
A expulsar o futuro, a queimar o futuro, a vender o futuro por simpatia, estou cansado,
Estás cansado, a culpa é minha, eu sei, nossa, é daqueles que morrem nas ruas, daqueles
Que morrem sós, com fome, em aldeias desertas, é daqueles que morrem à espera de uma consulta,
Ou à espera de um pouco mais de atenção, que não se tem, porque há demasiada gente
A precisar, a precisar de tudo, quando tudo, é só o direito de quem te fode, de quem abusa de ti
E goza contigo, mas desculpa-me Portugal, sei que neste momento, devia estar perdido,
Como tu, em ti, em vez de estar perdido, aqui, consumido pela saudade daquilo que me és,
Dos teus montes, do cabelo cor de cobre, dos sorrisos das crianças a brincar ao esconde-esconde,
Do Sol que torna o Outono dourado em vez de castanho como noutros países, do cheiro salgado
Da tua areia, da cerveja fresca, das romãs no fim desse Outono dourado a darem-lhe um toque final
De rubi, das casas, umas em cima das outras, encaixando-se bem nos contornos das vizinhas,
Das velhinhas cheias de rugas fazendo desejar-me durar ao lado da mãe dos meus filhos,
Dos meus filhos com um futuro também dourado, se forem merecedores disso, não como o pai,
Que nunca será pai, que está descontente, só por lhe terem permitido sonhar mas não o sono,
Por lhe terem vendido um bilhete para lado nenhum e o criticarem por ter ido, para onde
O Sol é frio, mas permite viver, a vida sabe a cinzento, mas vai-se vivendo, até ver, até ver Portugal.

18.10.2012

Turku

João Bosco da Silva