quinta-feira, 12 de julho de 2012


No Comboio

Uma sande de pão com queijo e uma cerveja, quase dez euros, no vagão-restaurante
Do comboio, o meu avô com uma barriga enorme, amarelíssimo, deitado num sofá velho,
Anda cá, não tenhas medo, tens-me nojo, e eu só pena, vais-me morrer, anda cá, olha uma nota,
Azul de dois contos, uma cerveja e pão com queijo no vagão-restaurante do comboio,
Enquanto um hippie, desses que serão velhos mortos quando os sessenta regressarem,
Toca viola e canta uma merda qualquer que faz a cerveja saber a demasiado algo que
Não o seu sabor familiar, a pena é amarela e às vezes tenta-se beber, uma velha predadora
Assume o seu papel de bêbada, mas não há paciência, não a conheço, não a quero conhecer,
Desculpe, já negligencio demasiadas pessoas na minha vida, não preciso de si, deixe-me estar só,
Só estar, no sofá do meu avô, com uma pena maior do que o meu tamanho nas roupas
Que herdei de algum amigo da família com filhos mais velhos, um primo, a pena a encher
Os dois números acima, o cabelo amarelo de uma adolescente fascinada por trinta e tais anos,
Fala alto, acaba rápido a cerveja, com pressa, é gorda e desesperada por alguém dentro, tenho
Que ir mijar, para o restaurante-vagão, todos a rezar em cima de uma cerveja, a orar à solidão,
Anda, sabe melhor se vieres e lá vão, ele atrás, uma ejaculação no chão da casa de banho do comboio,
A cerveja desce e é como a vida, à minha volta estes corpos celestes, enquanto me consumo
Em direcção a uma dispersão absoluta, dois contos, anda cá, não me tenhas nojo e o punho
Cheio de terra abre-se e o som vazio contra o caixão fechado diz-te adeus, onde tu sem estares estavas,
Eu a chorar, a mão vazia cheia de pena, eu todo medo, nojo, e nem perto de Las Vegas.

Turku-Savonlinna

07.07.2012

João Bosco da Silva