segunda-feira, 16 de janeiro de 2012


Matança



Chove a gordura do fumeiro que seca, o teu coração também lá pendurado,

Todos aqueles abraços, carne para encher chouriças, ainda bem que fumo

Nos olhos mentidos, cuspidos, a tua boca aberta como se tu séria

E somos feitos desta madeira que crepita, saltam brasas nos olhos

Quando saio de ti e te deixo a pingar gordura, a secar, nunca gostei

Da parte gorda do presunto, por isso te deixo no canto do prato

Para quem gostar de branco, somos feitos de porcos e vinho tinto,

Fumo de urze, mãos de quem nos conhece além da tinta

Com que nos pintamos com livros, músicas, filmes e outras aldrabices,

Lavam-se as mãos ensanguentadas, a faca e guarda-se

Para mais um ano, mais um porco, lava-se e vai-se a força,

Os anos não perdoam, as putas também não e lá se vão as notas,

A vontade barra-se com o cansaço, mais um copo de vinho

Para não ver, dar um jeito ao lume com um pau, queima-se

Um pouco mais de tempo, se calhar um cálice de aguardente

Que a noite é fria e ainda mal começou, amanhã acordarão

Os filhos, convencidos do calor do seu sangue, ignorando que mais uns

Para a matança, fábricas de sonhos em tripas, porcos que se perfumam,

Engordados com ilusões de algo melhor que febras, restos de gente,

Mas a faca tem aliviado muitas gerações, em manhãs como estas.



16.01.2012



Turku



João Bosco da Silva