quarta-feira, 21 de setembro de 2011


Amoras, Coelhos E Veteranos



“campeãozinho, campeãozinho…”




O silvado junto à vinha do meu avô, hoje um campo para plantar nabos, onde um coelho ou

Uma cobra que ainda lá deve estar, mesmo depois de tantas pedras atiradas na esperança

De uma certeira, as silvas a encolherem como os anos a esticarem a distância em caminhos

De terra, longe das bicicletas pelos lameiros circundantes abaixo, ossos feitos de borracha

E donos de uma felicidade que gota a gota se perdeu como um empréstimo inconsciente.

As amoras doces, a tomar o lugar da cerveja na manhã que nasce quente e se deseja nada

Além da perdição num lameiro, onde há muitos anos atrás noutra vida, um pau na mão

A fazer de brinquedo e as montanhas do mesmo tamanho atrás de um miúdo sorridente,

Que levantava calhaus com o mesmo pau à procura de lacraus ao pé do cemitério,

No tempo em que as tardes eram imortais e se ia caçar as bruxas para os castanheiros

Porque as folhas se moviam tão longe do sino da igreja, a chamar-nos para o jantar,

A hora de recolher o gado e as prostitutas da Trindade também um dia elas crianças

Com medo a coelhos em silvados, do escuro quando havia apagões e se tinha que ir

Comprar à mercearia da terra velas para a mãe poder fazer o jantar, porque as amoras

Ainda longe e o homem das galochas pela manhã, ainda com os lábios roxos do vinho

A ir às amorinhas, para o tabaquinho, para o copinho e juro que só o vi uma vez comer,

Frango e pão que tirava de um aço de plástico azul, ao balcão do café e segundo reza a lenda,

Um dia morrerá à geada, com um filtro apagado nos lábios centenários, pintados a vinho.



21.09.2011



Turku



João Bosco da Silva


(Des)conselhos Sob Melancolia



para a minha irmã,



Abre as cortinas e deixa a chuva iluminar os momentos convergentes na carne sobrevivente,

Mantém a porta fechada e as mentiras preparadas e bem maquilhadas, já deves ter percebido

Que a gente não precisa de amor, mas sim de mentiras bonitas, ou oferecidas numa rua escura

Como uma prostituta velha que só se consegue vender na fragilidade dos candeeiros solitários,

Sorri para os olhos ocultos debaixo dos guarda-chuvas inúteis no vento e da pressa dos carros

Ao lado dos passeios estreitos, a igreja logo ali ao lado, a ser grande, para ser admirada,

Em direcção ao céu onde nem as andorinhas vivem, já longe onde moram todos os copos

Vazios, todos os sorrisos secos e encolhidos pelo vento quente do bater dos ponteiros

Contra o coração resignado à cadência de uma marcha inevitavelmente fúnebre, tudo corre

Como se a chuva pudesse lavar a gente da tinta com que se pintam, a tinta que os faz ser

Tudo menos aquilo que realmente são, portas trancadas, armários como museus de história

Natural, sofás cansados e abraços contraditos por um suspiro triste e o olhar fixo

Em quem não está, ficou naquele quarto de hotel e na promessa de uma vida que será

Para sempre paralela à que se mostra aos filhos, educa-se com mentiras, espera-se pela noite,

Pelo descampado longe da passagem de outros carros e contagia-se a inocência

Como se a salvação de cada um estivesse na condenação dos outros, aceitam melhor

Uma mentira que o amor incondicional, sorriem mais com o brilho de uma promessa de ouro

Do que com a vontade fertilizadora de uma ejaculação profunda, a sinceridade deixa-a

Com os cães, que também eles metem medo aos vizinhos e nunca, mas nunca

Saias de casa com a cara ainda coberta dos sonhos da noite anterior, ou serás chamado de

Louco, outro sinónimo para sonhador, agradece a quem aceitar o teu amor por dinheiro,

Poderá ser que te poupem o coração, o fígado e o cérebro espalhado numa parede cinzenta,

Aprende a esquecer e deixa a chuva levar tudo o que a luz não tocou, lava as mãos antes de

Ires dormir, não acordes com o cheiro dos seus interiores molhados nos dedos, ressaca

Não dói tanto como a solidão de uma companhia arrefecida, abre as cortinas e põe

A música no máximo, não ouças nenhuma das palavras que leres, ouve-te silenciosamente.



21.09.2011



Turku



João Bosco da Silva

segunda-feira, 19 de setembro de 2011


“Esse Olhar Mata-me” Ou Algo Parecido



Deixa-me entrar, mas não permitas a minha presença nos teus sonhos, deixa-me ser real

Antes, não te canses cedo se te oferecer presentes sem embrulho, sou rasgado e geralmente

Tenho a sinceridade dos bêbados, sem os abraços, lábios rápidos atrás das orelhas e dedos

Leves a deslizar do pescoço até à manteiga estar derretida e pronta, até o amor é melhor

Salteado, não me deixes ficar até ao fim e perder a vontade por julgar que o teu cheiro o meu,

Porque afinal o meu cheiro é o da noite, da madeira que arde e do teu suor na minha língua

Enquanto me apertas as bochechas com as virilhas e as velas oscilam, quase a apagarem-se,

Mas apenas o vento na casa antiga, o meu avô à lareira a sacudir o copo no chão, para os cães,

Todos mortos, só o brilho dos teus olhos, os brilho dos teus olhos até à manhã por favor,

Aguentarei o vinho tinto a ser realidade fria e a lareira apagada, a vizinha nem em sonhos

E eu um santo, menos para ti que te convenci à dentada do meu direito ao inferno, não me

Poupaste e ainda os lençóis arrefeciam e já eu abandonado na geada, à espera que abrisse

O primeiro café para prolongar o adiamento de mais uma psicose, um dia demasiado tarde,

Onde tu passas apressadamente em direcção à santidade, o meu café arrefece, acendo mais

Um Ventil, e gozo o Sol a tomar conta da geada e a tornar os meus olhos ainda mais difíceis,

Ligeiramente mais diluídos na amargura, o sangue corre-me e quase sinto o coração a sorrir

Ironicamente quando vejo os acordados a olhar para mim como se fosse um desenterrado,

Só porque me deixaste entrar, cair, e lançaste-me três ou quatro pás de terra na cara,

Eu já pálido para os teus mamilos sensíveis ao roçar da barba, eu já cansado do desencanto

De mais umas fodas, tu não acreditando enquanto trancavas algo que quase abriste,

Algo que eu esperava mais que as pernas abertas, há mesas que ficam e onde nunca se comeu,

Uma cerveja para aterrar a madrugada e uma mão a envolver um pedaço pequeno de mim,

Ao lado ressonam e anéis doentes de portas abertas, Londres a ser Novembro e a chuva

A convencer-me que há fogueiras impossíveis quando se quer, como na tradição, quando se

Lembra e se sente nos ossos rústicos, volto-te a ver em Lisboa, alguém pergunta,

Não o meu avô que nunca lá esteve e aquilo nunca foi mundo para ele, ele só morreu,

Demasiados copos sacudidos para o chão, para os cães, mesmo quando a fogueira vazia

E a casa sem vozes de vento nem quase solidões, mesmo com gritos de quem se rasga

Por rasgados, olhos que perfuram sem ter que além pele e tu já devias saber disso.



19.09.2011



Turku



João Bosco da Silva


Age Of Empires

Aquela tarde de Setembro à beira do rio, naquela cidade de província, o Sol além dos montes
Em despedida, futuros sentados no banco de jardim à espera do futuro, os sonhos todos ainda
Possíveis mais tarde, as certezas ainda iludidas e o último ano de uma inocência que se perde
Com mais um passo, o céu quase cinzento, não fosse o horizonte frio à espera de nos cair
Em cima e de nos despedaçar em mil amanheceres desiludidos. Nem um cigarro, só projectos
Para uma construção improvisada no momento das decisões, nem uma lata de cerveja,
Nem um preservativo realmente útil no bolso, só o espanta espíritos a dizer que caça sonhos,
A banda sonora de um ano de despedidas sem se saber, mas nunca nada voltará a ser o
Mesmo, nem amanhã, amanhã óculos mais grossos, livros mais pesados, ou um papel a dizer
Que se sabe tudo sobre certa área que caiu no nosso caminho porque esperavam algo
E as conversas a caminho do portão da escola nas sextas por volta das cinco e meia
Iam ter ao que realmente se quer, eu por mim não fazia nada, não sei o que virá depois disto,
E pouco virá, só mais para menos tempo, mais para menos nós, mais para o nada que nos
Engolirá, até o fumo do incenso comprado numa tenda de índios bolivianos, para relaxar,
Para relaxar benzodiazepinas, sexo anónimo, e muito álcool para se suportar um foda
Na casa de banho de um bar, antes de ir para casa e vomitar a probabilidade de mais um
Sonho despedaçado, à frente daquele banco de jardim, numa cidade que faz parte da mitologia,
Dos invernos, das madrugadas e da piscina a fazer de tiamina antes do delírio, os passos de regresso
À perdição, porque o regresso ao passado só é possível se um abismo e uma vontade raivosa
De engolir os anos, abraçar a morte com os dentes e chorar enquanto se engole mais um trago
De whisky, quase salgado, até se adormecer com o cigarro na boca numa manhã de Outono,
Ou numa tarde de Inverno, com as narinas queimadas pela euforia e um voto ao lado da geada
Mais quente, eis a máquina do tempo, menos quem regressa é o mesmo, eis a impossibilidade,
Por isso o rio quando os olhos fechados, as mãos cansadas do desconhecido e os olhos
A trair a nossa falta de alma, perto da hora da carreira para regressar às lareiras apagadas
Da vila. Hoje nem os pais, nem o lugar igual ao esperado no banco de jardim, o mesmo,
Na mesma, com quem se encontrou e se abriu o corpo e se deixou ir andando, até
Se perceber que parados, que a vida condenada, que nós vivos e condenados a continuar
A sonhar, sabendo que nada será além daquele horizonte, o sol perderá o calor, ou só
A sensibilidade se cansará mais, o esperma seca e o iogurte na saia preta a dizer que não,
A inocência a dizer que não, que já não vive, ficou morta naquele pôr-do-sol,
Antes de mais um fim do mundo, num banco de jardim com os bolsos vazios chamados sonhos.

19.09.2011

Turku

João Bosco da Silva

domingo, 18 de setembro de 2011


Jogar Às Escondidas



Um quase raiva que encosta às paredes do bairro velho, quase já sem paredes, uma ruína

Na verdade com a sua beleza, não fosse a quase raiva a tornar-se dor e mãos pequenas de mais

Quando alguém nos parte, sem avisar directamente, como aquele pâncreas e o médico

A exagerar, quanto muito chegará ao Natal e por quê o Natal, se há luzes que piscam

Quando não há mais nada a fazer a não ser deixar as paredes vir, esfarelar-se contra as

Costas de não poder fazer nada, porque os dados vão no ar e se tivessem sabido antes

Mais vezes dados enquanto ainda mãos e montes além longe, onde tudo uma possibilidade

Ainda, não depois do fígado se ter juntado à conspiração e afinal a eternidade

É só mais uma história de encantar, contada a adultos antes de adormecerem no infinito,

Entre velas que tremem, mãos que seguram as mãos e tão amarelo que está, a mão

Já morta e ele sem saber, no fim sempre um bom homem e valha-nos isso,

Já bastou a vida para nos provar maus, sem paciência pequenos e o pior que tudo, mortais.

As tardes em cima das cerejeiras e a camisa branca de domingo manchada tornam-se

Na óbvia crueldade doce do destino, os beijos atrás da escola da aldeia nos intervalos

Para o pão com queijo e marmelada a minguar o calor que tentam dar-nos, com pena

E com pena nunca se conseguiu enxotar um cão verdadeiramente, quando com fome

E abandonado há semanas, um dia acarinhado e agora pele e osso, arrastando-se pelas paredes

Que leva como pó ao pó que um dia de forma tão bíblica, se regressará, um saco de vácuo

Chamado esperança, quando a esperança alguém que se conheceu e também a fazer falta

Enquanto as paredes deixam de nos ser, o Natal quer-se longe, mais um ano ao menos,

Que num ano é possível chegar ao futuro e aí tudo isto um pesadelo ou uma piada de mau gosto,

Isto só uma dor na barriga, tantas dores tive na barriga quando as cerejas quentes,

Ou quando se brincava até anoitecer e só aí se dava conta que a dor fome, mas a vida

Toda ela uma fome, por isso é só um pouco mais de vida o que se precisa, para a dor passar

Nada de Natais e a família toda à volta de algo que não bolo-rei, nem polvo ou bacalhau,

Um corpo desistente, mas só o corpo porque por a dele, as paredes ainda a dar espaço aos

Garotos que correm, enquanto um conta alto, noventa e oito, noventa e nove, cem…



18.09.2011



Turku



João Bosco da Silva

sábado, 17 de setembro de 2011


Psicose De Karsakov



“y por las tardes beberé

aguardiente

y el vacio

y la nada”



Pedro Juan Gutiérrez




mais um para a Isabel,



Onde se perdeu a casinha pequena junto à vinha numa aldeia isolada do interior norte,

Não sei, nem se sonhos ou projecções que ficaram na distância entre duas bifurcações

Que há um momento logo ali e já tão longe, com a minha filha da cor do teu cabelo,

Quando sonho contigo e lhe vejo o reflexo nos livros que tanto gostamos, onde procuramos

O destino, mas afinal o destino nas folhas em branco que apressadamente preenchemos

Para chegar onde não esperávamos, mas é onde a vida nos é possível, eu na desistência

E no cansaço do abuso moral, tu na constante luta e na fidelidade a ti mesma,

Mas Lisboa, também está longe da casinha na vinha e os sonhos não parar de chegar

Empurrando os que possivelmente levariam a uma felicidade mais pura, mais calma,

O cheiro a mosto no ar, os joelhos sujos da nossa pequena com o teu nome,

Com o seu cabelo da cor da terra fértil, mas a vida tem sido um excesso de aguardente,

De alambiques cansados pela ânsia de beber a vida e preenchê-la com confabulações,

Porque só assim se consegue viver noutro lugar além dos sonhos, longe, longe

Na impossibilidade das nossas conversas convergirem numa partilha genética e a felicidade

É afinal o que está a um palmo do limite da nossa força durante um momento,

Uma sucessão de promissores Outonos que se passam à espera do verde nu e escuro

De um Inverno de ressacas com o gosto amargo de desconhecidas, quando não há números

Que preencham o vazio de um nome próprio e de uns olhos por cima de uma mesa de café,

No limiar da vida para a vida, sem sabermos nada sobre isso, esperando que um dia

E o dia é hoje e cada vez maior a confusão, cada vez mais os nomes que têm filhos,

Que se casam pelo prazer de poder cumprir com as expectativas e fingir paralelamente

Que ainda não se cresceu, em hotéis baratos de província, onde perto vivem sonhos

À espera da vindima, do teu cabelo em alguém meu, os teus olhos na minha confusão

Que só tu pareceste um dia compreender e tentaste arrancar dos meus lábios

À entrada da despedida até um quase nunca mais, um nunca mais que ainda persiste.



17.09.2011



Turku



João Bosco da Silva

sexta-feira, 16 de setembro de 2011


Exaustão



Dava todos os anos de todas as palavras, cuspia todos os beijos sarnentos, esquecia todos

Os desejos e todos os olhares excitados das noites perdidas em curvas de estrada,

Dava todas as garrafas e copos vazios da solidão, as da cegueira alegre, dava toda a carne

Que me foi emprestada à volta, abandonava todas as multidões de vazios por um pedaço

De rio à sombra de um salgueiro, o silêncio de um canivete e um pedaço de madeira,

Neste momento nauseabundo e cinzento, onde a chuva torna as paredes mais próximas

E cinza é o ar que se respira engolindo gritos pelo desespero de um momento de verdadeira solidão.

Da noite não desejo mais nada que o abraço quente de umas mantas, a segurança das

Portas trancadas e sonhos em lameiros na companhia do olhar inócuo das vacas

Numa manhã verde no início do verão de anos perdidos na fome dos cães com cio.



15.09.2011



Turku



João Bosco da Silva

quarta-feira, 14 de setembro de 2011


“Twilight Zone” Numa Casa De Putas



Como quando se passa mil vezes ao lado de uma casa e se entra pela primeira vez,

Entrar no café onde se conquistaram as primeiras emigrantes francesas tardiamente,

Com o fascínio das mamas nas mãos e cheias da saliva apressada, incrédula, o piercing

A enrolar a língua, a amiga no aniversário a chupar depois da boca doce com o seu bolo

De aniversário, entrar no café onde se cresceu para os prazeres da vida, mesmo que

Alguns ridículos e ser a primeira vez, uma entrada num buraco de verme e estar no Brasil,

Luzes vermelhas quase inúteis com o vizinho com quem se construiu casas de árvores nos

Pinheirais que hoje queimados, pagar o triplo por uma cerveja que já trazemos dentro

E até os sofás parecem diferentes, mesmo conhecendo a leveza do meu cu de outros tempos.

Na loja mais abaixo, onde eu e o meu melhor amigo de infância comprávamos brinquedos

Esquecidos de outros tempos a preço antigo e mais sobrava para as batatas fritas

E as latas de refrigerante para levar até às fragas onde impérios dentro de nós

E agora uma foca à porta a trabalhar à hora por rata, loiras só por cima e em baixo

Nada porque é mais higiénico, enquanto se aproximam como hienas com o cheiro

Do último trolha disfarçado com perfume barato, chamam-me Elvis, convencidas

Da sua originalidade, mas minhas filhas, a diferença é que eu nunca recebi dinheiro

Pelas fodas que dei, e o meu fascínio é outro, não por mel para as moscas,

Só me fascina a viagem que me proporcionais na distância entre o passeio e o interior,

Há uns poucos anos, eu a caminhar do outro lado, na canícula, sem medo, movido

Pela esperança de uma gazela à janela e só a música vinda da sua janela me fazia

Sair à noite, beber três chás gelados só para a ver a rir com outros,

Ela, que me convidou uma tarde, os meus pais não vão estar em casa

E não vou ir às piscinas, eu sentado do outro lado do sofá com ela à espera

Sentada quase deitada (“how to read a person like a book” – demasiado tarde)

Até que se cansou e me levou pela mão ao quarto para ouvir música (Enrique Iglesias)

E eu de pé até não aguentar o sem saber o que fazer e inventar uma razão para me arrepender

Pelo resto da tarde até ao resto da minha vida… é verdade, existe algo reprimido,

Mas agora a coisa vai, houvesse mais vontade que cinquenta euros não faltam

E ouvi dizer que tem que se lavar antes, quase ridículo quando provavelmente

Se vai saborear algum trolha de há uns minutos atrás, numa terra de mil e poucos

Onde se luta para se conseguir enviar cartas, onde se suicidam lentamente

Nas noites de inverno, onde a geada tem pena das cervejas, do vinho e da aguardente

Dos calos nas mãos e do cabelo cheio de cimento, tinta e mulheres cansadas à lareira.

Eu e o meu vizinho rimo-nos enquanto esperamos paz para estarmos com

As nossas cervejas, sempre fiéis, uma atrás da outra, perceberão que não vale a pena,

Porque viemos ver um espectáculo bizarro, uma procissão de santos caídos

De olhar no chão assim que descem com a sua vergonha, sabe-se lá a razão.

Ando seco minhas putas, ando seco, as nórdicas falam menos e pagam com

O silêncio que é de ouro e nunca me atraiu a ideia de ter uma mulher a foder-me

Como um homem fode, sem ser no coração, por isso, três cervejas e fechar o bairro.



14.09.2011



Turku



João Bosco da Silva


É A Vida



Geralmente surge de uma dor como a fome ou uma abstinência obstinada por razões

Pouco saudáveis para a alma, menos saudáveis para o corpo e saudades de corpos vazios

Que constantemente nos chegam cheios de momentos e engolem-se como se

A luz não ameaçasse um dia fugir-nos dos olhos, mas a vida a chama de uma vela,

Curta, frágil e tantos são os ventos, todos nos sopram contra a vontade da altura.

Mas isto não tem que ser um poema triste, nem aquele último olhar que se negou,

Nem as “promessas” feitas nos suspiros quentes, nem uma mão de terra que se espalha

No ar antes de cair na despedida eterna de um amigo, nem o beijo dado a quem se ama

Depois de se ter fodido quem se desej(ou)a, com o cheiro de outra cor no cabelo,

Nem o avião que parte e leva no porão todos os momentos quentes que arrefecem

E se tornam em fotografias para as longas noites de Outono, enquanto se espera

Até à morte e só a dor perdura nos corações dos que perderam, mas a dor não é triste

É dor, permite a existência do prazer, dos primeiros olhares através dos invisíveis,

Das promessas que vivem na eternidade de um momento e só aí podem ser cumpridas,

O privilégio de ter um amigo e de o manter vivo no nosso corpo, a ilusão do amor

Ou o que for, alguém que nos espera no aeroporto com barba comprida e basta um olá,

As folhas que caem para que venham outras, outros poemas que não são tristes,

Triste é quem os lê e quem os lê é gente e gente é uma busca incessante pela felicidade: é a vida.



14.09.2011



Turku



João Bosco da Silva

segunda-feira, 12 de setembro de 2011


Prostituta Frígida ou Poema De Sem Amor


“One day I will find the right words, and they will be simple.”

Jack Kerouac



Não tenho muitas mais palavras, só o cheiro do fumo dentro de um livro que foi meu,

O meu nome quase sismo no teu coração assustado, dois ou três cabelos brancos

Fechados num envelope de uma carta imaginária que ficou por enviar no desejo

De um último beijo e também isso tenho, o desejo desactualizado de um último beijo,

Não tenho mais palavras, só o bolso cheio de chaves para portas perdidas

Um bolso enorme com buracos que se prolongam numa eternidade de almofada

Onde se perdem as noites que me emprestaste e que ainda não devolvi,

Tenho-as tratado bem com cerveja e carne fresca, gritos doces e jardins verdes,

Não tenho palavras, só os dedos ainda cansados de te procurar dentro de outras almas,

Em corpos de papel, em vozes alheias e amores perdidos de desconhecidos e fingidos.

Não me esqueci das palavras que usei, simplesmente já as usei e também elas têm

Apenas uma vida, as que não são pedras, porque pedradas dão-se muitas

Ao longo de uma vida às mesmas pecadoras, algumas palavras é que não,

Porque se transformam de forma irreversível, como a vida em morte.



12.09.2011



Turku



João Bosco da Silva

sábado, 10 de setembro de 2011


Anjo Do Apocalipse



“Eternity is to forget.”


J.B.S



Não, nada está bem neste mundo de chamas invisíveis e nunca se tem tudo para ser feliz

Enquanto se arde, se sente o cheiro a carne queimada no inconsciente, e não há matança

De porco hoje, nem o fumo dos alambiques que nos aquecem a existência, que é a combustão do tempo

Em nós, confessos imortais, nos que deixamos, quando no fim não deixamos mais nada a não ser

Uma esfera de pedra e água, se água, suspensa no esquecimento silencioso do espaço,

Enquanto o universo continua a ser um deus cego, surdo e mudo, que alguns vêem com barba

E cara de homem pregado na cruz por uns romanos, o ridículo em que deixei de acreditar

Quando ainda muito tenro nestas coisas e olhava o firmamento e sentia o peso da nossa insignificância

Naquelas noites de verão a contar estrelas cadentes, agora conto-as olhando o horizonte,

Vejo-as a tombar ao meu lado e o mundo que um dia julguei que iria crescer, a minguar.

Amanhã acordaremos, acordaremos e cá estaremos de novo, completamente de novo,

Só com o pó dos anos que se acumula nas nossas memórias e no fundo somos uma televisão

Desligada, numa sala vazia a chamar a nós o pó, estáticos, negros em vez de papel em branco,

Por isso prefiro chorar no chuveiro, porque as lágrimas sós, são tão ridículas como estes pedaços

De merda de mosca, estes pontos que procuram um significado, dar um sentido às dejecções

De um ser menor que se chama destino e não passa do passar do espaço pelo tempo,

Em direcção à entropia absoluta, quando nós os únicos idiotas existentes que tentamos ir contra

A evidência da finalidade ser o fim, por isso gozo e gozo-me, não tenho mais nada

Além da desorganização gradual e irreversível do que sou, de quem me é, de quem me foi.

Fiquem trancados em igrejas e outros templos, que eu espero a tempestade num descampado,

Enquanto os lobos se aproximam com a fome do fim do mundo, os corvos esperam nos

Círculos do ar que eu me canse e me dispa, esperam pela roupa que me faz ser,

Não o que sou, isso deixo-o aos olhos que me quiserem ler, no descampado

Onde o vento espalhará as folhas de papel pelo esquecimento, até a eternidade engolir

Todas as línguas de Babel, todos os deuses que nunca se chegaram a mostrar, pois eu sou o Anjo Do Apocalipse.



10.09.2011



Turku



João Bosco da Silva

sexta-feira, 9 de setembro de 2011


Poema De Beber



“miracles happen

even in

hell”



Charles Bukowski



O vinho sabe-me à lentidão do tempo enquanto se espera, como se a vida algo mais que uma espera,

Mas engulo, continuo a engoli-lo como se fosse o xarope para a dor da alma, muitas vezes nem é por gosto,

Como não é por gosto que se fode, mais para a libertação egoísta de nós mesmos em alguém,

Subjugá-los também à nossa miséria, partilhar a nossa maldição de errantes pela existência

Sem saber muito bem porquê, nem para quê, resignados ao hábito dos pulmões, inspiração expiração,

E a poesia, sempre disse, é mais o relaxar de outros esfíncteres, quando não se aguenta mais o peso

Do tempo que passou e trouxe mais, demasiado, para o que existe dentro de uma caixa de osso

E tenta ser um universo, mesmo que finito, mesmo que sem deus e se inventem mil, acredito mais

Na mortalidade dos cigarros e por isso insisto em fumar, para que não me venha algo sem razão,

Sempre algo sem razão, só mesmo quando nós a encontramos e premimos o gatilho e a perdemos no momento

Que deixamos de ouvir a última explosão dentro de nós, a atravessar-nos a desligar-nos

As sinapses, apaga a luz antes de adormeceres, dizem enquanto fecham a porta do quarto,

Já aconchegados debaixo das mantas, não te venhas dentro de mim, dizem enquanto mal

Conseguem construir o pedido entre gemidos e que se lixe, sempre sabe melhor ver a conspurcação

Do corpo depois da violação da alma e bebo, bebo em nome dos que não podem beber mais,

Lá estarão num lugar melhor, porque nada, é sempre melhor que isto, se bem que, lá no fundo,

Se deus quiser, espero passar a eternidade num inferno à medida da minha vida,

Tenho-me esforçado, tenho rasgado o meu caminho em carne suficiente para construir um castelo,

Uma casa de horrores, cheia de gritos confusos, contaminações inocentes, mas com vontade inconsciente,

Por muito que se adie, a vontade de acabar o copo é sempre maior que o interesse na sua degustação,

Existe sempre aquela atracção mórbida pelo vazio, pelo paradoxo de mais para cada vez menos nós,

Até que a noite se canse e nos apague com ela, à porta do infinito, de olhos abertos, como um morto à geada.



Turku



09.09.2011



João Bosco da Silva


Quando A Lembrança Se Torna O Único Ponto De Encontro



Como um castelo de cartas: a vida.


Acabei de acordar e tu desces para a eternidade, a escuridão cobre-te em forma de terra

E a quem me perguntar, são esses os sete palmos de terra, depois de muitas palmas, não a vida,

A morte, por isso se vale a pena é o momento, porque o resultado será o mesmo

E os versos escorrem-me, porque não tenho mais que deixar escorrer, pelo caminho das lágrimas,

Negros, e os teus olhos fechados por opção, domaste a existência e encontraste o único

Infinito possível, agora gostava de conseguir dizer que tens um lugar entre os deuses,

Mas prefiro dizer que tens um lugar entre os meus heróis, porque foste um homem, real,

Com a coragem, ou o desespero, a razão que só tu conhecias e agora mais nada dentro de ti,

Tu dentro de nós, que se tu soubesses, terias desistido da ideia irreversível, antes fosses

Do suicídio lento dos cobardes como este teu pupilo e ainda teríamos pela frente umas cervejas

E muitos, muitos cigarros para queimar, mas preferiste queimar todos os segundos deste vez,

Desta última vez e não te posso criticar, porque eu estou aqui, ainda aqui, a ver-te descer, de olhos

Fechados, tu também, que sempre tão abertos para as enfermidades deste mundo sem cura.

Será que ainda te posso acordar, porque não passa de um sonho a vida, porque não a morte um sono

Apenas, sem sonhos, mas acorda, há muita tela em branco, prometo estar todas as quartas-feiras,

Mesmo que os cabelos brancos a ficar mal nas cadeiras pequenas da sala de aula, ainda há uma tela

Grande para encheres de luz, deixa a escuridão, que essa é certa, deixa a eternidade

Que é lugar para nadas, levanta-te que ninguém te mandou deitar, a vida não vale uma morte,

Vamos beber um copo e eras tu e nunca te consegui tratar por tu em pessoa.

Sei que não, por minha fé no cepticismo, mas terás Warhol e Duchamp como companhia

E eles sem ti, nunca teriam existido, não no mundo que eu crio ao acordar, enquanto

Tu desces, sete palmos de terra deixando ficar à superfície pedaços de ti a tornar a gente melhor.


Entre putas e outras mulheres, orgasmos e outros contágios, fome e outros excessos:

Há quem escolha A Corda. Abiit ad plures.



09.09.2011



Turku



João Bosco da Silva

quarta-feira, 7 de setembro de 2011


Requiescat In Pace



professor Ezequiel,



Hoje liguei a televisão, convencido de que o ia ver lá, em todos os canais: morreu o Professor,

Esperava dele mais umas palavras, mesmo que repetidas, contava que o resto do mundo sentisse

Com a mesma intensidade a grande perda, o Professor morreu, mas não, o mundo nem se mexeu,

Nem um rumor e eu começo a pensar que o meu mundo não é o de todos, as minhas mitologias

Pessoais, os meus heróis próprios, são restritos ao limite do meu mundo real e agora acredito

Em quem diz que é impossível ter cem amigos, impossível conhecer mil pessoas

Que preferia esquecer hoje pela eternidade do professor, eternidade viva, não a dos

Olhos fechados pelo cansaço da vida e na televisão mais uma vez uma cantora drogada, morta,

Uma princesa puta, morta, um ditador de bigode, executado, gente que não interessa,

Gente que não faz parte da minha história e o meu mundo é maior que a esfera ridícula

A ser azul e verde no meio da imensidão escura do universo silencioso, à espera de deuses.

Professor, nunca pensei que me deixasse de pé, na pizzaria da terra a falar sozinho,

As tardes de quarta-feira… o artista que tenho em mim, foi prenda sua e só tenho pena

Por ter trocado os traços pelas letras, as linhas pelos versos, mas se ainda fosse capaz,

Se a vontade drenada pela sua ausência neste dia tão cinzento me permitisse a tentativa,

Desenharia um retrato de si, a sorrir, com um cigarro apressado na boca, porque afinal a vida

Mais curta do que aquilo que todos os outros pensavam. O mundo perdeu mais uma cor

E hoje toda a gente do meu mundo se sente mais pobre, amputada de alguém que nos vive dentro.



07.09.2011



Turku



João Bosco da Silva

terça-feira, 6 de setembro de 2011


Amadurecimento Da Fruta



“Mas que fazer nesta cidade de província,

no inverno, à parte ouvir os velhos

ou inventar histórias, enquanto se bebe café

e aguardente?”


Nuno Júdice



Um dia, não sei que dia, disseram-me que se escreve melhor cansado, com a cara derrotada

Pelas corridas onde não se entrou, batido por quem mais amamos, criticado até por quem

Só merece de nós respeito, respeito como quem respeita as rugas e os cabelos brancos, mudos,

Escreve-se melhor sentado no ponto em que a noite expira púrpura no horizonte, sem papel,

Longe de qualquer tinta e só olhos para dentro, fixos em montes que nascem da escuridão,

Escreve-se melhor com o silêncio interior instalado enquanto se abre a dor a um amigo,

Também a distância ajuda e os melhores poemas trouxeram-se arrastados de uma dor que

Ainda lateja, quase esquecida, e geralmente quem lê e percebe é porque não sente,

Mas se não esteve, esteve lá quando trouxe as palavras para dentro e lhe deu uma razão.

Acrescentou, quem me disse, que se escreve melhor quando a luz é de uma lareira

E o frio empurra a gente em direcção às chamas, o desejo arranca as roupas do corpo

Ainda que lá fora os campos cristalizados, cheios de uma poesia afiada e sem palavras,

A cerveja ajuda e quente também baixam as palavras, a materialização simbólica pode esperar,

A alma do poema é o mais importante, o barro acrescenta-se numa tarde depois do trabalho

Porque a poesia não é trabalho, como respirar não é trabalho, mas permite aguentar mais um dia.

Aconselhou-me a guardar todas as lágrimas, que secam e se tornam versos inteiros, depois

Que haja um leitor que descodifique a estrutura única daquele cristal salgado e complexo,

As dores e as moscas acumulam-se à volta de cadáveres e deve escrever-se como quem ressuscita,

Como quem perdeu para a eternidade, mas acredita ser possível até o infinito ser nada

E um dia virá sempre um dia, em que tudo converge e gota a gota, os beijos, os cabelos

Labirínticos entre dedos molhados com o cio, o esperma espalhado como se o desejo derramado,

Ao luar e a Lua a beber dos dois, as abrasões do tapete nos joelhos, os olhos que se abrem

Quando já se engoliu tudo, as manhãs que nunca nasceram porque tu não estavas, ela estava,

Ele não estava, porque ainda fomos abrir um café inesperado com café e aguardente, enquanto

Alguns esperam o autocarro para a vida real, e outros esperam a boleia para as azeitonas, ou as batatas…

Gota a gota, cresce em lado nenhum o poema a toda a hora, até que outro dia venha e maduro

Cai da macieira cansada, porque mais valem maçãs do que lágrimas em almofadas de quartos vazios.



06.09.2011



Turku



João Bosco da Silva


segunda-feira, 5 de setembro de 2011


Improbabilidade De Mick Jagger



para quem os raios partam,



Cansas-me com o teu olhar enquanto longe uma folha de papel escurece com a caligrafia futura

De uma tipografia. Neste momento sou inocente dos meus passos em direcção ao agora onde escrevo

A ressaca de olhares… como se pode fingir um olhar? Não sabes que não estás só a engordar em quilos

E que os anos pesam mais nas fibras calcificadas de um coração amargo?

Não se imagina que o cheiro a óleo, o declive perigoso do vinho tinto e uma cerveja antes de ir “dormir”,

Os clítoris em busca dos dedos enquanto se rasga uma cidade cansada à boleia de um futuro traidor,

Podem ser os ingredientes de uma psicose aliada a um delirium tremens impossível: uma paixão

Ridícula como as adolescentes. (Será que os Rolling Stones sabem que o “Así se fundo Carnaby Street”

Lhes é dedicado?) Enquanto se escreve uma noite com a melancolia de uma canção escrita numa casa de banho

E uma ptose palpebral, das que se repetem inversamente, proporcionais ao ódio que resulta da

Confrontação da ilusão contra o hálito real da carne, muda após o orgasmo, as palavras ficaram em casa

E só o que se ouve de fora toma sentido num sem sentido nunca sentido entre um par de exagero rosado.

Se ao menos a porta aberta tivesse trazido a salvação de mais um nome – todos os nomes têm esperança

E o potencial de haver gente de verdade, com lábios quentes e abraços que ficam à volta, quentes,

Mesmo quando a distância leva o olhar. Já te disse que me cansas com o teu olhar

E por essa razão busco a distância do teu silêncio em pecados mais reais que os teus?



05.09.2011



Turku



João Bosco da Silva