quarta-feira, 31 de agosto de 2011


Clint Eastwood



Não sei bem se o vazio ou aqueles anos em que ainda cheio de força e o cabelo de outra cor,

Da cor dos netos todos juntos com uma altura média de um metro e oitenta e dois,

Mas não é fácil ler aqueles olhos azuis entre aquela pele cansada e rosada pelos anos de vinho,

Todo ele resignado ao silêncio para dentro que os anos lhe trouxeram como um zumbido

E onde andará a prima à janela a dizer olá à mãe que na horta, enquanto ele lhe metia o pincel por trás.

Será que aqueles olhos o medo da tia nas couves a desconfiar a cada puxão ou o homem

Aos saltos aterrorizado pelo touro sem touro atrás do buraco da porta nodosa ou a bala

Que aquele homem careca e sem sangue te meteu na barriga por causa das armadilhas para os pássaros?

É fácil perder-me em oitenta anos de olhos fixos num ponto entre mim e o infinito, no lado de cá,

Enquanto tento manter postura, bêbado, olhando o meu avô na primeira fila, bem vestido como

Se estivesse na missa de Domingo, surdo, na apresentação do meu terceiro livro, ele, que não sabe ler.

Lembro-me dele noutros serões, com um olhar mais aceso e dirigido às cartas no banco de madeira

Enquanto a lenha crepitava contra as geadas da serra, sem a surdez a deixá-lo no canto da casa cheia

Naquelas tardes de Agosto, o homem mais duro, mais valente do mundo e hoje…

Dou-me conta de que nem ele é eterno, mesmo que aqueles olhos fixos num infinito.



31.08.2011



Turku



João Bosco da Silva



O Tamanho Da Solidão Não Se Mede Com Números


Um sabor qualquer que quase permanece, perdido algures na infância ou naquele estranho medo que só nos sonhos medo

De chegar tarde, demasiado tarde à festa da aldeia que nunca mais porque lá longe no passado, onde moram

Os avós de toda a gente, sorridentes e mais altos que nós, maiores que o tamanho de fim da festa

E com olhos mais sinceros do que os que olham as mãos vazias no fim de mais um dia, como se

A passagem do dia necessariamente nas mãos, mas muitas vezes nos olhos que os pés levam.

Antes nunca me sentia só, ainda a juventude da aldeia passava os serões a jogar matraquilhos na adega do meu avô,

Ainda o meu tio não tinha ido para o Brasil e agora só um resiste à força da rejeição do meu país,

Mesmo na aldeia pequena e rodeado de pessoas novas que me conhecem melhor que eu me conheço, porque

Com quatro anos eu só olhos, curiosidade e aquela fome que se perde com os anos e com a vinda

Da solidão que é impossível de saciar, mesmo que ainda esteja entranhado nos poros o cheiro

Roubado à beira do desmaio no jardim público de uma cidade longe de tudo o que se é,

Quando já pouco se reconhece no espelho, só os olhos, quando se olha até ao fundo e se esquece

O peso dos dias e se abraça aquele sabor que quase permanece como na primeira vez, como a

Primeira pastilha elástica que se engoliu, o primeiro e original gole de cerveja num verão sem

Necessidade de Agosto para que a família toda junta e agora tenho milhares de amigos e conhecidos em todo mundo

E afinal o mundo mais pequeno que a aldeia dos meus avós.



11.08.2011



Turku



João Bosco da Silva



O Crescer Das Unhas



para Sara F. Costa,



As unhas crescem e não interessa a pele que lá ficou, no esquecimento, nunca ninguém se lembra

Do último cigarro, mas será sempre o último e a primeira gota de água não ajuda mas começa

A transformação desconfortável numa corrida desnecessária, porque o que nos vai cair já vem a caminho

E as unhas crescem, ou dão a ilusão que crescem, a carne que morta, desiste e se retrai, como um

Último beijo que se sabe último beijo e às vezes mais vale encolher no meio de um rio frio,

Lá no fundo escuro, sem olhos cá em cima, sem ponte, só o silêncio e a eternidade que todos ganham,

O fim das tardes depois do toque da trindade, só os cães fiéis companheiros até da solidão dos homens,

Os paralelos vibram e as unhas crescem, enquanto os lençóis se puxam para cima, alguns

Além do último cabelo desalinhado, os olhos desviam-se, mas quando há, há e acabou, mais vale

A resignação de um olhar verde de ódio, porque tu te mataste e nunca mais serás quem te criei,

Quando estrelas e geada fria à lareira, o poeta esquecido na vila desconhecida jaz numa campa sem nome

E a Lua diz que as unhas ainda lhe crescem, já não levam epiteliais rasgadas num suspiro pedido

A beijos violentos até que sabor a sangue também e só os dentes têm a profundidade necessária

Quando as palavras têm o peso de uma pluma, mesmo quando profundas, mesmo quando

Parecem eternas e cheias de promessas no infinito que o vento leva como se dois dias a eternidade,

Por isso os dentes fundos, mais uma semana, a durar durante o verde, o nojo, a impossibilidade

De matar com o esquecimento, nem o Sol se vai quando se põe e a Lua diz que as unhas crescem,

Diz também que o amor cresce da ilusão e se torna ódio pelas evidências, os olhos fecham-se

Mas sentem-se abrir lá no fundo, escuro, frio, do rio que na infância quente e hajam silvados

Para a gente ver se ainda sente e um Ventil para partilhar com os amigos, enquanto se espera

A hora de partir para outra partida, o amanhã tarda, os pontos finais evitam-se como as despedidas,

Porque enquanto houver mais uma vírgula, as unhas crescem e até lá ainda se espera que aquela

Morenita espere, lá mais à frente, no caminho dos caminhos que se cruzam, mas sem ilusões

Que Agosto foi há muitos anos e o rio sabe hoje a saudades porque a carne que se veste tão longe

E o céu mais baixo, mesmo que as unhas cresçam, mesmo que não parem de crescer.



31.08.2011



Turku



João Bosco da Silva


segunda-feira, 29 de agosto de 2011



Reminiscências Decadentes



A decadência de um império deprimido e convencido de que a memória latejante de glórias

Improváveis imunes à erosão do futuro a vir, constantemente, uma avalanche invencível,

Contra um insecto com o coração (Ego) desproporcional enquanto um insignificante poeta

Se senta à sombra de dois mil quilómetros a beber uma cerveja, quase sangrenta à beira

Do colapso (outra vez) pela confrontação com a sua alma suposta, nunca à medida da luva,

Enquanto os olhos flamejam com um quase ódiovergonha por um enxame de aborrecidos

Portadores de asas sem utilidade no ar real.



19.18.2011



Lisboa



João Bosco da Silva




domingo, 7 de agosto de 2011


Aquela Miúda Das Limpezas



Não é loira, se fosse loira não interessava, é um branco prata e eu, afinal um lobo fascinado

Pela luz da Lua naquela cabeça de lagos profundamente azuis, onde quero mergulhar,

Enquanto sinto aquele corpo pequeno a derreter-se à volta do meu desejo doentio.

Temo o seu cheiro e mantenho o sorriso à distância para que não se note que não sou

Grande domador de leões. As suas ancas são mais que água fresca, fluidas, numa montanha

De verão abrasador para a sede que o sal da sua pele morena, brilhante, e todo eu uma traça

Em direcção à sua presença de sorriso tímido e olhar provocador que procura sarilhos

E sei que tem unhas, têm sempre húmidas unhas e mesmo tendo eu sido amestrador de

Hienas no circo de feras infernal, sinto uma vontade de medo quando ela passa, de azul,

Pequenina, do tamanho de um abraço para a perdição, quase ilegal, voltando a cabeça,

Tentando ser espelho do meu fascínio velado, a caminho da mais uma casa de banho,

Arrastando o carro de limpeza, o que resta da minha alma algures no caixote de lixo,

Empurrando mais fundo a consciência dos meus anos e nasce uma revolta em forma de pergunta:

Por onde andaste, quando eu ridículo e da tua idade? Agora velho e ainda mais ridículo.

Passa, passa e leva tudo e o teu nome e a tua voz que ainda vibra e parece que é na caneta,

Mais fundo onde se tem pena das gotas de esperma desperdiçadas nas gargantas desesperadas

Por um abraço que me custou, quase como ver-te passar tão vazia de mim, tão vazia da vontade

Da minha vontade. Passa, passa, vai lavar a casa de banho, pode ser que me encontres por lá,

Noutros tempos, à espera da descarga do autoclismo, ou nos sonhos coincidentes de quem

Já não tem sonhos e deixa passar por respeito à frágil beleza da ilusão de uma inocência

Capaz de um orgasmo com o toque quente com o brilho lunar nas aréolas rosadas.



07.08.2011



Turku



João Bosco da Silva

quarta-feira, 3 de agosto de 2011


Vai-te Deitar Que Eu Vou Dormir


Sorri-me nesse abismo, tão cerca de um pestanejar aflito no limiar do fim da infância,

Mas não tenhas medo, a excitação dos dedos apagou o calor do teu interior e no resto

A calma de um acordeão eterno, um morto que afinal encontras numa rua demasiado familiar

E tudo mais eterno do que aquilo que tu pensavas, arrependes-te, porque a morte mais longe,

Estupidamente esperavas que fosses especial, sem música e outras drogas, ainda cá, tu,

Vai-te deitar rapaz, que o teu mal é sono, garota. Abre bem esses braços, são a tua vida, o que vale

A pena, se um dia viveres até lá e tiveres saudades. Vou-te contar um segredo: o melhor poema

São aquelas palavras que vêm da saudade impossível pela distância, mais pelo tempo,

Porque não há sonhos como o desejo de outros tempos outra vez, não há sonho mais impossível.

Humedece um lenço de papel com a felicidade quase salgada daquela visita à aldeia

Que não és tu, cada vez menos tu, mas algo se move longe, além das montanhas que nunca conheceste,

Perguntaste porque será, os filhos dos teus amigos respondem-te com um sorriso que temes,

Mas é a verdade e nunca saberás, porque amanhã serás apenas a possibilidade do que serás amanhã,

Nunca tu, cheia de esperança na eterna cama daquele quarto que deixaste ainda com vinte e poucos,

Em Guimarães, Porto, Bragança, Tenerife, Londres… a sério que Paris também(?),

Pergunto-me se estas cidades, desde as grandes às maiores, te provocarão maiores dores de dentes,

Por palavras, omissões de actos cessados, no futuro apenas presente, aborrecimento e humidade

Da que espera, da que seca, da que morreu e agora a máquina de escrever de Borroughs,

À espera de Keroauc, Corso e o cu de Ginsberg a julgar-se melhor que Pessoa, com Pessoa a ser o infinito.



03.08.2011



Turku



João Bosco da Silva