quarta-feira, 20 de outubro de 2010



Descontentamento


A minha mãe diz que os meus poemas são bonitos
E isso dói-me como ser ignorado.
Os meus poemas não têm nada de bonito,
São só palavras com cheiro,
Um cheiro que todos evitam.
Palavras de um espelho de alma atormentada
Pelo vazio de uma noite escura
Que cai em cima de um nada tão grande
Para dentro, um grito de luz tímido no vazio.
São pestilentos, os meus poemas,
Cheiram ao hálito de um alcoólico
Com um acidente vascular cerebral,
A um fluxo menstrual que vem com o esperma
Ainda quente que cai no chão
Cheio de urina de outros dias,
Onde perto, um caixote do lixo
Com um gato morto de fome,
Ao mesmo tempo que um sem-abrigo
Roça com o acto
E palavras silenciosas,
Nas ruas pequenas de uma cidade grande.
Se os meus poemas fossem bonitos,
A vida era como antes de a conhecermos de verdade,
Ou seria um cego, ou iludido,
Ou artista que usa as palavras para limpar o cu
E ficar assim limpo e estéril,
Branco e sem sangue e carne.
Só é capaz da verdadeira poesia
Quem brinca aos dados com a morte,
Quem lhe dá um beijo todas as noites
E lhe diz: até amanhã, se tu quiseres.

20.10.2010

Torre de Dona Chama

João Bosco da Silva