domingo, 12 de setembro de 2010




Fogueiras de Pavese e Rum Pécoul



aos que lá ficaram



As fogueiras de Pavese lá longe da Itália, longe deste meu país de brincar,

Longe das noites de brasas curtas, sempre excessivamente ébrias,

Frias, apesar do dia quente, noites sempre frias mesmo com estrelas.

As fogueiras dentro, onde se queimam almas passadas, onde se bebem corpos líquidos

Dos pecados que ficarão no esquecimento. Ardem as fogueiras de Pavese

E eu com dezoito anos a fazer trinta daqui a uns dias, se lá chegar,

Se a lenha não arder toda, se os pecados não deixarem de ser novos,

Se os sonhos não voltarem a tomar conta do desejo, se o amor não se revelar na sua dor.

O Sol já não interessa nestas horas do fim, nestas horas do fim da manhã que nem se viu,

Do fim da tarde que passou e nem se sentiu, o Sol já não interessa e os vampiros podem sair,

Eu posso sair sedento do sangue da minha vida que passa, onde vou, às vezes meio adormecido,

Cabeceando contra o vidro dos meus olhos. Brilham as chamas das fogueiras que não existem,

Nos meus olhos cansados pelo vento dos dias poeirentos.

Porque é que o rum acaba sempre, antes de se adormecer na areia enquanto uma voz amiga:

Vamos sonhar que somos piratas, arr arr arr!

Fazer fogueiras numa praia deserta, como as que não existem nas noites frias de gente,

Fogueiras como as de Pavese, lá longe deste país a brincar, onde piratas a sério,

Saqueiam almas ainda pequenas, onde pescadores não têm barcos, onde arde tudo,

Menos fogueiras como as de Pavese.

Pelas noites ébrias, percorro sóbrio a melancolia das ruas desertas das quatro da manhã;

Surpreende a quantidade de gatos negros nas terras deste país,

A quantidade de pão de côdea dura, vazios por excesso de fermento, que ressonam,

Fartos de uma fome que se julga ter que ser, por resignação.

Arr arr arr, passa aí o Pécoul e vamos dizer adeus aos barcos apressados,

Tão vazios, tão rápidos, tão longe das fogueiras que dentro temos. Arr arr arr!

Apagam-se as palavras, lavadas a cinquenta e quatro por cento de noites puras,

Apagam-se as fogueiras de Pavese, que nunca serão as mesmas.



12.09.2010



Torre de Dona Chama



João Bosco da Silva